Já brilha alto o sol contra o pensamento que anoitece. Rebusca nos lugares recôndidos da mente os cheiros e as cores que me fizeram horas antes sorrir e que agora ressacam por todo o meu corpo fazendo-o sangrar sem estancação possível. Faço uma introspecção para ver o que me danificou durante a tormenta viagem que me foi afastando de ti mas as feridas não se vêem. Talvez por estarem inundadas de lágrimas que percorrem todo este corpo que anseia que no lugar delas passem os teus dedos. Haja discernimento oh controladores da vida que isto de chorar pelos cantos só tresanda a injustiça. Se me querem ver são, então deixem me ser louco que eu conheço muito melhor as minhas dores do que vocês e bem vejo os gritos mudos e as lágrimas escondidas que elas me trazem. São vocês os tiranos que um dia derrubarei. Há dois lutadores com um coração só que vos derrubará quando menos esperarem. Cobre-se a cidade das horas do sol pôr. Têm se revelado fatais para mim. Horas de partir, horas de regressar. Mas fui eu feito para isto? Para deixar que a Injustiça controle a minha vida como bem lhe apetece? Fui eu feito para morrer e renascer no lusco-fusco das horas confusas? Não há paciência para ti Injustiça! Não soubeste amar e portanto vingas-te nestes que se encontraram no puro acaso do teu azar. Foi sempre disso que te alimentaste, do azar dos outros, e agora provas o teu próprio veneno e fazes das nossas lágrimas rios que desaguam em mares de saudade extensa sem fundo onde pensas que poderás banhar-te eternamente. Mas desengana-te que eu saberei pô-las todas num copo para as beber com o ar triufante pela vitória da união dos dois seres que à nascença separaste. As lágrimas que hoje se vertem serão o sangue e a pólvora na nossa bandeira que verás hasteada na nossa terra e que te provocará tantas náuseas e aversão que serás incapaz de voltar a praticar os teus vis actos connosco. O amor não é guerra fácil. Obriga-nos a morrer e a renascer e a fazer-nos atravessar túneis coloridos com uma venda nos olhos, a ouvir a melhor música com a surdez, a querer cantar com a voz silenciada, a cheirar os melhores perfumes quando estamos constipados. Mas quando descobrimos que há alguém que vai ao nosso lado a descrever-nos o caminho, a música e o perfume, sentimos que talvez nem precisamos de conhecer a realidade. Aquela que a nossa companhia nos tem vindo a descrever parece bem mais bonita do que ela realmente é. E por isso perferimos embarcar no sonho em direcção à utopia a deixarmo-nos cair sob o fardo que é essa realidade que todos carregam e não faz ninguém feliz. Mas tu bem tentas, Injustiça, que nada disto aconteça para nos juntares ao teu rebanho. Mas eu já vejo as cores do meu mundo, eu já vejo a música que sai das cordas de uma guitarra, das vozes que se rimam, dos perfumes que preservo dentro de mim e que me voltam à memória como um leve pano sobre a minha alma que se enrola nela e que partilharei sempre com quem me acompanha agora.