Monday, October 27, 2008

Lágrimas e Sorrisos

Temos lágrimas e sorrisos de beijos para dar e vender. Temos saudades e amor maiores que o quinto império. Temos corpos suados no frio. Temos mãos geladas para aquecer. Temos loucura e sobriedade. Temos braços cheios de estarem vazios. Temos imans. Temos corações turbulentos. Temos calmarias em jardins. Temos noites exaustas e manhãs apressadas. Temos passeios para dar. Temos de dar a mão. Temos palavras para dizer. Temos olhares. Temos lábios. Temos linguas. Temos corpos. Temos amor para dar e vender, sorrisos e lágrimas para nos relembrar que os beijos até se dão quando não estamos juntos. Então, temos tudo.

Monday, October 13, 2008

Guerra e Paz

Ainda agora aqui chegado
meu cavalo já cansado
trago o peito enamorado
e a armadura em desalinho
minha espada eu embainho
dai-me carne e dai-me vinho
sou guerreiro por quimera
era uma vez um rapaz
é vê-lo avançar
entre a guerra e a paz

Dai-me carne e dai-me vinho
dai-me uma mesa de pinho
estendei toalha de linho
onde estenderei meus dedos
lede neles os enredos
das conquistas dos degredos
assim eu contar pudera
era uma vez um rapaz
é vê-lo avançar
entre a guerra e a paz

Guerreiros são só pontos no horizonte
a monte a monte
anda o guerreiro sem parar
a paz foi tudo o que el foi buscar
guerra e paz a par e passo
irmãs são
guerra e paz a par e passo
vão

De cada vez que me conto
sei que me acrescento um ponto
um cavalo novo monto
e uma donzela arrebato
despedido do recato
vou da calma ao desacato
vou do pardal à pantera
era uma vez um rapaz
é vê-lo avançar
entra a guerra e a paz

Vou da calma ao desacato
de masmorras me resgato
colorido é o meu retrato
preto e branco o meu caixilho
o que fazes tu meu filho
outras guitarras dedilho
sou trovador por quimera
era uma vez um rapaz
é vê-lo avançar
entre a guerra e a paz

E de meandro em meandro
vou-me circunnavegando
sob as estrelas buscando
o outro lado da busca
quase sempre o amor me ofusca
duma forma doce e brusca
assim eu amar soubera
era uma vez um rapaz
é vê-lo avançar
entre a guerra e a paz

Retomado à vida o gosto
meu cavalo recomposto
no cabelo um fogo posto
novos fogos atravesso
desta forma me despeço
do fracasso e do sucesso
ladrões de quem os venera
era uma vez um rapaz
é vê-lo avançar
entre a guerra e a paz

Desta forma me despeço
a viagem recomeço
e se a casa não regresso
é que outras casas me abrigam
outros braços lá me amigam
minhas brigas desfatigam
como a luz na primavera
era uma vez um rapaz
é vê-lo avançar
entre a guerra e a paz

Sérgio Godinho

Tuesday, October 07, 2008

Desabafo das saudades

Queria eu fazer o que tenho a fazer mas distraio-me tanto com tudo o que me rodeia porque tudo o que me rodeia faz-me lembrar quem eu gosto. Os livros que tenho à frente que tu viste, o computador que uso para matar saudades, as mãos que escrevem que te tocam, o corpo em que respiro que é teu, as canetas que usamos para escrever ternura e "pétalas negras ardem..." mesmo por baixo a incendiar-me a alma. Até queria eu deixar de fumar não fosse o fumo fazer as formas do teu corpo, o cigarro entre os meus dedos como tu os seguras e o maço de tabaco igual ao que tu compras.
E o trabalho que faço chama-se Plano Operacional. Como operacional? Como fazê-lo funcionar bem sem ti? Apetece-me pôr para cada proposta de acção para o estágio sempre o mesmo final: Só funciona direito se tiver a ternura comigo.
E portanto, tentei abstrair-me. Mas se me abstraio olho para dentro, olho para mim, e olho para o quanto eu gosto de ti e sinto o coração a bater, o cérebro a pensar, as veias cheias de sangue quente, os músculos a latejar, os órgãos a distender e a contrair e tudo a funcionar numa harmonia selvagem, numa calma violenta, numa espera desesperante.
E se dou uma volta pela casa procuro réstias do teu perfume onde tu te sentaste, andaste e dormiste, ou procuro marcas do teu ser nos cobertores, panos, pratos, copos, talheres, ou vejo-me ao espelho e procuro o que me deixaste nos lábios, na cara, no pescoço, no corpo... e tudo em que tocaste ou viste passa a ser uma relíquia.
Tudo o que me rodeia transpira a ti como se ainda por cá andasses e ainda assim quero mais.

Thursday, October 02, 2008

o que andei pra te encontrar
e sabia que eras tu
exactamente como sempre te sonhei
e sempre desesperei a pensar que não existias
que era só uma imaginação minha
e que Deus se tinha esquecido de fazer a minha metade
sou metade de um corpo que funciona mal sem a outra metade
contigo as cores são mais vivas, os cheiros mais intensos, a comida sabe melhor e a bebida também
és um mundo que merece uma cultura própria, uma felicidade única, uma memória eterna
e se aguento sem ti é porque sonho acordado a pensar que estás ao meu lado a sorrir comigo
quando vou pra faculdade imagino a minha mão à procura da tua
a encontrá-la e a fazer rodas com o polegar na tua palma
a apertá-la com força e a dar-te beijos no ombro
na cara e na boca
a abraçar-te
dou por mim a reparar que por cada coisa que acontece comigo penso "quem me dera que a Érica tivesse aqui para viver isto comigo"
"eu penso exactamente o mesmo"
"as coisas mais banais"
entro na sala de aula e imagino-te ao meu lado sentada na cadeira a tirar apontamentos e concentrada
enquanto suspiro pela tua inteligência e beleza
saio e imagino que estás à minha espera para me dar um beijo
vamos juntos almoçar, fumamos um cigarro
tento ver no fumo as formas do teu corpo
e quando as vejo quero levantar-me e dar beijos no fumo
volto para as aulas e repete-se tudo
o que se vai sucedendo vou discutindo na minha cabeça como se tivesse ao meu lado
e rio-me por causa desta observação ou daquela situação
e rio-me a pensar que tas comigo a rir-te também
e gozamos um pouco
e relembramos já ao fim da tarde enquanto regressamos a casa
e voltamos a rir
e percebemos como é bom estarmos juntos
"Pedro, há já algum tempo que todos os meus dias são cartas permanentes a ti."
depois chego a casa e discutimos o que vamos jantar
eu cozinho e ponho a mesa e tu lavas a louça
despachamos o que temos pra fazer pra amanha
e quando finalmente tiver acabado se ainda der tempo vamos pro sofá ver alguma serie na televisão com uma manta quente agora para as noites frias e abraçamo-nos porque a manta não dá todo o calor que precisamos
e quando nos fartamos vamos pra cama
e abraço a almofada a pensar que és tu
e às vezes rio-me a pensar que estou louco por lhe dar um beijo
é só uma almofada
e adormeço
a pensar o quanto gosto de ti
"raios! a minha cara é idiota."