"Como resolver a Crise" por EGA
Para quem não gosta do espiritualismo da "Mensagem" ou para quem prefere soluções mais pálpaveis, aqui vai o conselho de Ega, amigo de Carlos da Maia.
"Por influência do seu banco, dos belos olhos da sua mulher e da excelência do seu cozinheiro, chamado estes espíritos rebeldes ao respeito dos parlamentares e à veneração da Ordem, Cohen condescendeu em dizer, no tom mais suave da sua voz, que o país necessitava reformas...
Ega, porém, incorrigível nesse dia, soltou outra enormidade:
- Portugal não necessita reformas, Cohen, Portugal o que precisa é a invasão espanhola.
Alencar, patriota à antiga, indignou-se. O Cohen, com aquele sorriso indulgente de homem superior que lhe mostrava os bonitos dentes, viu ali apenas «um dos paradoxos do nosso Ega». Mas o Ega falava com seriedade, cheio de razões. Evidentemente, dizia ele, invasão não significa perda absoluta de independência. Um receio tão estúpido é digno só de uma sociedade tão estúpida como a do Primeiro de Dezembro. (...) Depois ninguém consentiria em deixar cair nas mãos de Espanha, nação militar e marítima, esta bela linha de costa de Portugal. Sem contar as alianças que teríamos a troco das colónias - das colónias que só nos servem, como prata de família aos morgados arruinados, para ir empenhando em casos de crise... Não havia perigo; o que nos aconteceria, dada uma invasão, num momento de guerra europeia, seria levarmos uma sova tremenda, pagarmos uma grossa indemnização, perdermos uma ou duas províncias, ver talvez a Galiza estendida até ao Douro... (...)
[E como escaparíamos a tal situação?]
- Nisto: no ressuscitar do espírito público e do génio português! Sovados, humilhados, arrasados, escalavrados, tínhamos de fazer um esforço desesperado para viver. E em que bela situação nos achávamos! Sem monarquia, sem essa caterva de políticos, sem esse tortulho da «inscrição», porque tudo desaparecia, estávamos novos em folha, limpos, escarolados, como se nunca tivéssemos servido. E recomeçava-se uma história nova, um outro Portugal, um Portugal sério e inteligente, forte e decente, estudando, pensando, fazendo civilização como outrora... Meninos, nada regenera um nação como uma medonha tareia... Oh! Deus de Ourique, manda-nos o castelhano! E você, Cohen, passe-me o St. Emillion."
in "Os Maias" / Eça de Queirós
"Por influência do seu banco, dos belos olhos da sua mulher e da excelência do seu cozinheiro, chamado estes espíritos rebeldes ao respeito dos parlamentares e à veneração da Ordem, Cohen condescendeu em dizer, no tom mais suave da sua voz, que o país necessitava reformas...
Ega, porém, incorrigível nesse dia, soltou outra enormidade:
- Portugal não necessita reformas, Cohen, Portugal o que precisa é a invasão espanhola.
Alencar, patriota à antiga, indignou-se. O Cohen, com aquele sorriso indulgente de homem superior que lhe mostrava os bonitos dentes, viu ali apenas «um dos paradoxos do nosso Ega». Mas o Ega falava com seriedade, cheio de razões. Evidentemente, dizia ele, invasão não significa perda absoluta de independência. Um receio tão estúpido é digno só de uma sociedade tão estúpida como a do Primeiro de Dezembro. (...) Depois ninguém consentiria em deixar cair nas mãos de Espanha, nação militar e marítima, esta bela linha de costa de Portugal. Sem contar as alianças que teríamos a troco das colónias - das colónias que só nos servem, como prata de família aos morgados arruinados, para ir empenhando em casos de crise... Não havia perigo; o que nos aconteceria, dada uma invasão, num momento de guerra europeia, seria levarmos uma sova tremenda, pagarmos uma grossa indemnização, perdermos uma ou duas províncias, ver talvez a Galiza estendida até ao Douro... (...)
[E como escaparíamos a tal situação?]
- Nisto: no ressuscitar do espírito público e do génio português! Sovados, humilhados, arrasados, escalavrados, tínhamos de fazer um esforço desesperado para viver. E em que bela situação nos achávamos! Sem monarquia, sem essa caterva de políticos, sem esse tortulho da «inscrição», porque tudo desaparecia, estávamos novos em folha, limpos, escarolados, como se nunca tivéssemos servido. E recomeçava-se uma história nova, um outro Portugal, um Portugal sério e inteligente, forte e decente, estudando, pensando, fazendo civilização como outrora... Meninos, nada regenera um nação como uma medonha tareia... Oh! Deus de Ourique, manda-nos o castelhano! E você, Cohen, passe-me o St. Emillion."
in "Os Maias" / Eça de Queirós
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